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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Patentes

Patentes são usadas como armas em guerras entre empresas de tecnologia
CHARLES DUHIGG
STEVE LOHR
DO "NEW YORK TIMES"


Quando a Apple anunciou no ano passado que todos os iPhones viriam equipados com um sistema de assistência por comando por voz chamado Siri, capaz de responder a perguntas faladas, Michael Phillips sentiu um grande pesar.

Phillips dedicou três décadas a criar software que permita que computadores compreendam a fala humana. Em 2006, fundou uma empresa de reconhecimento de voz, e não demorou para que executivos da Apple, do Google e de outras companhias o procurassem propondo parcerias. A tecnologia de Phillips chegou a ser integrada ao sistema Siri, antes que este fosse absorvido pelo iPhone.

Mas, em 2008, a companhia de Phillips, chamada Vlingo, foi contatada por uma empresa muito maior de software de reconhecimento de voz, a Nuance.

"Dispomos de patentes que podem impedir que vocês operem nesse mercado", disse Paul Ricci, o presidente-executivo da Nuance, a Phillips, de acordo com executivos que participaram da conversa.

Ricci lançou um ultimato: ou Phillips vendia sua empresa à Nuance ou seria processado por violação de patentes. Quando Phillips se recusou a vender, a companhia de Ricci abriu o primeiro de seis processos contra a Vlingo.

Não demorou para que a Apple e o Google parassem de responder aos seus telefonemas. A empresa que estava desenvolvendo o Siri trocou o software de Phillips pelo de Ricci, e milhões de dólares que o primeiro havia reservado a pesquisa e desenvolvimento terminaram gastos com advogados e custas judiciais.

Quando o primeiro processo foi a julgamento, no ano passado, Phillips saiu vitorioso. Na única disputa entre as empresas que chegou a um tribunal, o júri decidiu que Phillips não havia violado a patente sobre um sistema de reconhecimento de voz detida pela companhia de Ricci.

Mas era tarde demais. O custo do processo chegara aos US$ 3 milhões, e o estrago financeiro já estava feito. Em dezembro, Phillips fechou acordo para vender sua companhia a Ricci.

"Estávamos a ponto de mudar o mundo quando nos vimos presos nesse atoleiro judicial", ele lamenta.

Phillips e a Vlingo estão entre os milhares de executivos e empresas que se veem aprisionados por um sistema de patentes sobre software que juízes federais, economistas, autoridades e executivos da tecnologia dizem ser falho a ponto de sufocar a inovação. Acompanhando as imensas inovações tecnológicas das duas últimas décadas, argumentam, surgiu uma sombra. O mercado para novas ideias foi corrompido por patentes de software usadas como armas de destruição.

A Vlingo era uma empresa pequena e nova nesse campo de batalha, mas, como demonstram os recentes processos envolvendo Apple e Samsung, os gigantes da tecnologia também estão travando guerras.

No setor de smartphones, apenas, de acordo com uma análise conduzida pela Universidade Stanford, cerca de US$ 20 bilhões foram gastos em compras de patentes e processos relacionados a elas nos dois últimos anos --o que bastaria para bancar oito missões de exploração da superfície de Marte por veículos robotizados. No ano passado, os gastos da Apple e do Google com processos quanto a patentes e com compras de patentes dispendiosas ultrapassaram pela primeira vez seu investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, de acordo com documentos submetidos pelas empresas às autoridades.

Patentes são vitalmente importantes para a proteção da propriedade intelectual. Há muita criatividade no setor de tecnologia, e sem patentes os executivos dizem que seria injustificável investir fortunas no desenvolvimento de novos produtos. E os acadêmicos dizem que alguns aspectos do sistema de patentes, como a proteção aos produtos farmacêuticos, costumam funcionar sem solavancos.

Mas muita gente argumenta que as leis de patentes dos Estados Unidos, criadas para proteger concepções mecânicas, não servem ao atual mercado digital. Ao contrário das patentes para novas fórmulas de medicamentos, as de software muitas vezes conferem aos seus detentores a propriedade de conceitos, e não de criações tangíveis. Hoje, o serviço norte-americano de patentes aprova sem hesitar patentes que descrevem algoritmos ou métodos de negócios vagos, como um sistema de software que calcula preços on-line, sem que os seus analistas exijam detalhes específicos sobre como ocorrem esses cálculos ou como o software funciona.

Como resultado, algumas patentes têm termos tão amplos que permitem que seus detentores aleguem propriedade abrangente sobre produtos aparentemente separados criados por terceiros. Muitas vezes, empresas são processadas pela violação de patentes que nem sabiam que existiam ou nem sonhavam que pudessem ser aplicadas a suas criações, a um custo que termina repassado aos consumidores na forma de preços mais altos e de menos escolha.

"Há um verdadeiro caos", disse Richard Posner, um juiz federal de recursos norte-americanos que ajudou a formular as leis de patentes de seu país. "Os padrões para a concessão de patentes se afrouxaram demais."

Quase todas as empresas de tecnologia estão envolvidas em disputas judiciais quanto a patentes no momento, mas a mais importante nesse campo é a Apple, dizem executivos do setor, devido ao seu tamanho e ao montante das indenizações que solicita. Em agosto, na Califórnia, a companhia conquistou indenização de US$ 1 bilhão em um processo por violação de patentes contra a Samsung. Antigos funcionários da Apple afirmam que os executivos da empresa agiram deliberadamente nos últimos dez anos, depois que a Apple enfrentou problemas quanto a patentes detidas por terceiros, para usar patentes como armas contra os concorrentes do iPhone, a maior fonte de lucro da empresa.

A Apple abriu processos judiciais múltiplos contra três empresas - HTC, Samsung e Motorola Mobility, hoje controlada pelo Google. Essas empresas, somadas, respondem hoje por mais de metade dos smartphones vendidos nos Estados Unidos. Se as alegações da Apple --que incluem alegações de que ela é proprietária de elementos menores tais como ícones quadrados com os cantos arredondados, bem como de tecnologias mais fundamentais dos smartphones-- forem confirmadas pela Justiça, é provável que a empresa force seus concorrentes a reformular completamente seus métodos de desenvolvimento de celulares, dizem especialistas setoriais.

HTC, Samsung, Motorola e diversas outras empresas também apresentaram numerosos processos contra rivais, alegando a propriedade de tecnologias que mudaram o mercado.

A EDUCAÇÃO DE UM GUERREIRO DAS PATENTES

A evolução que fez da Apple uma das empresas mais belicosas do mercado no que tange a patentes ganhou ímpeto, como muita coisa na empresa, depois de uma ordem seca de seu então presidente-executivo Steve Jobs.

O ano era 2006, e a Apple estava preparando o lançamento do primeiro iPhone. A vida na sede da empresa, dizem antigos executivos da Apple, havia se tornado frenética, com reuniões constantes entre engenheiros e executivos e trabalho de programação 24 horas por dia. Uma nova presença nesses encontros era a de advogados especialistas em patentes.

Poucos meses antes, a Apple havia aceitado relutantemente pagar US$ 100 milhões à Creative Technology, uma empresa de Cingapura. Em 2001, a Creative havia obtido uma patente de software de termos amplos sobre um "aparelho portátil para reprodução de música" que apresentava semelhança modesta com o iPod, produto da Apple que entrara no mercado naquele ano. Quando a patente foi concedida à Creative, tornou-se uma espécie de licença para processar.

A Apple decidiu encerrar o processo por acordo cerca de três meses depois que a Creative recorreu à Justiça.

"A Creative teve muita sorte por ter conseguido essa patente prematura", disse Jobs no comunicado em que o acordo foi anunciado, em 2006.

Na Apple, ele promoveu uma reunião com seus principais subordinados. Embora a Apple sempre tenha sido competente na solicitação de patentes, no caso do iPhone ele disse "vamos patentear tudo", de acordo com um antigo executivo que participou da reunião mas, como outros ex-funcionários da empresa, pediu que seu nome não fosse mencionado porque está sujeito a cláusulas de confidencialidade.

"A atitude dele era a de que, se alguém na Apple consegue sonhar uma ideia, devemos pedir patente, porque, mesmo que não coloquemos essa ideia em prática, a patente pode servir como arma de defesa", diz Nancy Heinen, que foi diretora jurídica da Apple até 2006.

Em breve os engenheiros da empresa passaram a participar de "reuniões de revelação de invenções", a cada mês. Um dia, um grupo de engenheiros de software se reuniu com advogados de patentes, de acordo com um antigo advogado desse departamento da Apple que participou do encontro.

A sessão resultou em propostas para mais de uma dúzia de possíveis patentes, mas um veterano da empresa decidiu se pronunciar: "Prefiro não participar", ele declarou, de acordo com o advogado presente à reunião. O engenheiro disse não acreditar que empresas tivessem o direito de controlar conceitos básicos de software.

É uma queixa ouvida em todo o setor. A crescente pressão para afirmar propriedade sobre tecnologias amplas conduziu a uma destrutiva corrida armamentista, dizem os engenheiros. Alguns mencionam os chamados "trolls de patentes", empresas que existem apenas para abrir processos por violações de patente. Outros afirmam que as grandes empresas de tecnologia também exploram os pontos fracos do sistema.

"Existem centenas de maneiras de escrever os mesmos programas de computador", diz James Bessen, especialista em assuntos jurídicos na Universidade Harvard. E com isso as solicitações de patentes muitas vezes tentam abarcar todas os possíveis aspectos de uma nova tecnologia. Quando esses pedidos são aprovados, diz Bessen, "as fronteiras não são claras, e por isso é realmente fácil acusar outras empresas de violação de direitos".

O número de solicitações de patentes, no setor de computação e nos demais, aumentou em mais de 50% no serviço de patentes norte-americano ao longo dos últimos dez anos, para mais de 540 mil em 2011. O Google obteve 2.700 patentes de 2001 para cá, de acordo com a M-CAM, uma empresa de análise de patentes. A Microsoft obteve 21 mil.

Nos últimos dez anos, o número de solicitações de patentes submetidas pela Apple a cada ano quase decuplicou. A empresa obteve propriedade sobre controlar o zoom de uma tela de toque pelo movimento diagonal dos dedos, sobre o uso de ímãs para prender uma capa a um tablet e sobre as escadarias de vidro das lojas Apple. De 2000 para cá, recebeu mais de 4.100 patentes, de acordo com a M-CAM.

A BUROCRACIA DAS PATENTES

O pedido de patente da Apple que resultou na patente 8.086.604 chegou ao Serviço de Patentes e Marcas Registradas norte-americano no começo de 2004.

Nos dois anos seguintes, um pequeno grupo de funcionários dedicou cerca de 23 horas --o período médio de revisão de uma nova solicitação-- a examinar as pouco mais de 30 páginas do pedido, antes de recomendar rejeição. A solicitação, para um sistema de buscas comandado por voz e texto, era "uma variação óbvia" de ideias existentes, avaliou o perito em patentes Raheem Hoffler. Ao longo dos cinco anos seguintes, a Apple alterou a solicitação e a reapresentou mais oito vezes - e a cada vez a viu rejeitada pelo serviço de patentes.

Até o ano passado.

Em sua 10ª tentativa, a Apple conseguiu a aprovação da patente 8.086.644. Hoje, embora a parente não estivesse entre aquelas que causaram a disputa entre a Vlingo e a Nuance, ela se tornou conhecida como "patente Siri", porque é vista como uma das pilastras da estratégia da Apple para proteger sua tecnologia de smartphone.

Em fevereiro, a empresa citou a nova patente em um processo ainda não julgado contra a Samsung, cujo resultado pode reordenar radicalmente o mercado mundial de celulares inteligentes, que movimenta US$ 200 bilhões, ao conferir à Apple propriedade sobre tecnologias que se tornaram comuns, dizem os especialistas em software.

O percurso da patente 8.086.644 até a aprovação demonstra que "há muito de errado com o processo", disse Arti Raj, especialista em propriedade intelectual na escola de direito da Universidade Duke, que estudou o histórico de aprovação da patente a pedido do "New York Times". A patente, como numerosas outras, é um exemplo da maneira pela qual empresas podem repetir uma solicitação de patente até que obtenham aprovação, ele afirma.

Quando a Apple apresentou a primeira solicitação de patente para o sistema, o iPhone e o Siri não existiam. A solicitação era apenas uma expressão de esperança; descrevia uma "interface universal" teórica que permitiria que pessoas realizassem buscas em diversas mídias, como a internet, bancos de dados empresariais e discos rígidos de computadores, sem que precisassem recorrer a múltiplos serviços de busca. A solicitação delineava como o software poderia funcionar, mas não oferecia uma receita específica para criá-lo e sugeria que as pessoas poderiam ditar o termo de busca a uma máquina, em lugar de digitá-lo.

As ideias contidas naquela solicitação floresceriam na Apple, no Google, na Microsoft, na Nuance, no Vlingo e dezenas de outras empresas. Enquanto isso, a solicitação percorria discretamente o serviço de patentes, sendo rejeitada duas vezes em 2007, três vezes em 2008, uma vez em 2009, duas vezes em 2010 e uma vez em 2011.

O serviço de patentes se recusa a discutir a patente 8.086.644. Funcionários da organização apontam que os 7.650 peritos receberam mais de meio milhão de solicitações de patentes no ano passado e que o número não para de crescer.

Todos os observadores concordam em que o desempenho do serviço de patentes melhorou depois que David Kappos assumiu como diretor, em 2009. Em entrevista, ele declarou que o extenso processo de solicitações e rejeições entre a Apple e o seu departamento era prova de que o sistema funciona.

"Somos o serviço de patentes", ele disse, apontando que conceder patentes é a função da organização. Em comunicado, o serviço disse que havia dedicado os três últimos anos a reforçar suas normas a fim de aumentar a qualidade das patentes. Além disso, Kappos disse: "Nós temos em mente que apenas algumas poucas dessas patentes serão importantes".

BUSCANDO SOLUÇÕES

Alguns especialistas se preocupam com a possibilidade de que as patentes amplas concedidas à Apple propiciem à empresa o controle de tecnologias que, ao longo dos sete últimos anos, foram desenvolvidas de modo independente por dezenas de companhias e têm papel central em muitos aparelhos.

"A Apple pode sufocar o setor de telefonia móvel", disse Tim O'Reilly, editor de guias de computação e crítico das leis de patente de software. "Uma patente é um monopólio sancionado pelo governo, e deveríamos ser muito cautelosos ao concedê-las."

Outros alegam que o sistema funciona bem.

"A propriedade intelectual é só propriedade, como uma casa, e seus detentores merecem proteção", diz Jay Kesan, professor de direito na Universidade do Illinois. "Temos regras em vigor, e elas estão melhorando."

"E, se alguém obtiver uma patente indevida, qual é o problema?", ele questiona. "Os interessados podem pedir reavaliação. Podem recorrer à Justiça e invalidá-la. Mesmo que as regras precisem de melhora, é melhor tê-las do que não tê-las."

Tradução de PAULO MIGLIACCI

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Violação de direito autoral e pirataria

24/05/2012 - 18h49 Comissões - Código Penal - Atualizado em 24/05/2012 - 20h18

Juristas aumentam penas para violação de direito autoral e pirataria

Gorette Brandão

Os crimes contra os direitos autorais e a propriedade industrial serão tratados com maior rigor se depender da Comissão Especial de Juristas que se dedica a preparar o anteprojeto do novo Código Penal. A idéia é punir com prisão de seis meses a dois anos, além de multa, quem promover a reprodução pública ou publicação, por qualquer meio e com a intenção de lucro, de obra intelectual, fonograma ou videofonograma sem autorização do autor, produtor ou representante.

Fonograma é o nome técnico e jurídico para uma música gravada e videofonograma é a música associada a imagens.

Aprovada pelos juristas em reunião nesta quinta-feira (24), a proposta referente aos delitos contra a propriedade intelectual permite enquadramento mais duro, por exemplo, para a reprodução pública, sem licença e pagamento de direitos autorais, de obras musicais gravadas em CDs e DVDs. Esse tipo de crime atualmente pode render ao autor meramente uma pena de três meses a um ano de prisão, que pode até ser substituída por multa.

O objetivo é o de enquadrar de forma dura hipóteses de crimes ainda não previstos na legislação vigente, mas cada vez mais comuns. É o caso da divulgação, distribuição, a venda, aluguel, ocultação e manutenção em depósito de cópia de programa de computador com o objetivo de lucro. Nesse caso, a pena sugerida vai de dois a cinco anos de prisão.

Para o presidente da comissão, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o direito autoral estará muito mais protegido com as alterações e novos tipos penais aprovados em comparação com a atual Lei do Direito Autoral (Lei 9.610, de 1998). Segundo ele, há uma “grita da sociedade” por maior proteção a esses direitos.

- A propriedade intelectual hoje está sendo desprezada de forma acintosa no Brasil, num tempo de alta tecnologia que permite fraudes a esses direitos – afirmou.

Outra medida aprovada permitirá o enquadramento da oferta pública de pacote de sinais e dados por meio de fibra ótica, internet ou sistema de informática, que permita ao usuário de qualquer lugar usar esses serviços. A comissão sugeriu pena de um a quatro anos de prisão para essa conduta, que permite enquadrar, por exemplo, a fraude e venda ilegal de sinais de televisão a cabo popularmente chamada de “gato net”. A mesma pena será aplicada no caso de reprodução e comercialização em larga escala de material digital, que favorecem, por exemplo, a pirataria digital.

- Entendemos que ofender o direito autoral é prejudicial ao esforço do Brasil de se construir como nação e de encorajar o pensamento, a reflexão e o trabalho artístico – comentou o relator da comissão, o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves.

Exceção

Os juristas tiveram o cuidado de afastar totalmente a hipótese de ato delituoso na reprodução de um único exemplar de obra intelectual ou fonograma, para uso privado e exclusivo de quem copiar, sem intuito de lucro direto ou indireto. Houve debate sobre de que modo o texto deveria passar, se isentando a reprodução total ou apenas parcial da obra.

Nessa discussão, foi especialmente mencionada a situação de estudantes universitários que tiram cópias de livros para estudo. Atualmente, só é autorizada a cópia de algumas páginas e capítulos. Ao fim, a comissão aprovou uma redação que nem menciona restrição parcial ou liberação total da reprodução. Para o professor Luiz Flávio Gomes, de todo modo a solução autoriza a reprodução total na hipótese de cópia única e sem finalidade de lucro, como já acontece hoje de maneira informal.

Plágio

Houve aumento de penas para diversos delitos contra obra intelectual, como o plágio de obras, punido hoje somente com prisão de três meses a um ano, ou multa. Na proposta dos juristas, a pena é aumentada de seis meses a dois anos. Com nova redação, o delito é descrito como o ato de apresentar, utilizar ou reivindicar publicamente como própria obra ou trabalho intelectual de terceiros.

Marcas e patentes

Na linha de maior rigor, os juristas sugeriram aumento de penas para os crimes no campo da propriedade industrial. O ato de fabricar, importar, exportar ou comercializar produto protegido por patente de invenção sem autorização do titular, por exemplo, resulta hoje em prisão de um a três meses, mais multa. Os juristas sugerem prisão de um a quatro anos, além da multa.

A utilização do design de um produto na fabricação de outros, ainda que de forma parcial, também terá pena maior, de um a quatro anos. A nova pena foi adotada ainda para a exportação, importação, fabricação ou comercialização de produto de marca registrada, como também para o uso de vasilhames, recipientes ou embalagens com marca alheia, com a intenção de induzir a erro de julgamento. Até então, a punição é também de prisão de três meses a um ao, ou multa.

A Comissão Especial de Juristas para a preparação do anteprojeto de um novo Código Penal foi criada por determinação do presidente do Senado, José Sarney, a partir de sugestão do senador Pedro Taques (PDT-MT).

Agência Senado

(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: POrtal de Notícias do Senado. Disponível em: < http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/05/24/juristas-aumentam-penas-para-violacao-de-direito-autoral-e-pirataria> acesso 24/05/2012

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Sites associados contra lei antipirataria que tramita no Senado americano planejam desligar serviços em protesto

Google e Facebook preparam blackout
3 de janeiro de 2012
Por Murilo Roncolato

Sites como Google, Facebook, Twitter e Wikipedia podem interromper suas operações causando uma espécie de “blackout” na internet em protesto à lei antipirataria em discussão no Senado norte-americano conhecida como S.O.P.A, sigla para Stop Online Piracy Act

O diretor da NetCoalition, associação das empresas de internet contrárias à aprovação da lei, disse à Fox News disse que a Mozilla – dona do browser Firefox – já desligou seus serviços em um dia e agora empresas, dentre elas a Wikimedia, responsável pela Wikipedia, estudam fazer algo parecido. O executivo Markham Erickson, garante que as ações conjuntas são apenas “a ponta do iceberg em termos de resposta” à lei.

A NetCoalition engloba empresas como Facebook, AOL, eBay, Facebook, Foursquare, Google, LinkedIn, Twitter, PayPal, Wikimedia, Mozilla, Yahoo e Zynga. A ação ainda não foi definida e, por isso, não sabe exatamente o que acontecerá, mas ao que tudo indica, usuários da internet se deparariam com momentos online sem a possibilidade de fazer buscas no Google ou Wikipedia, publicações no Facebook e Twitter ou pagamentos pelo PayPal. No lugar das páginas, apareceriam mensagens incentivando os usuários a reclamar da lei aos congressistas. O Scribd recentemente fez uma ação contra a lei, causando o desaparecimento gradual de palavras dos documentos no seu site.

“Esse tipo de coisa não acontece porque as empresas normalmente não colocam seus usuários nessa posição”, disse Erickson comentando o ineditismo da ação. “A diferença é que essas normas alteram profundamente o modo como a internet funciona”. O executivo acredita que as pessoas “precisam entender o efeito que essa legislação terá sobre quem usa a internet”.

O projeto que atualmente tramita no Senado dos Estados Unidos responsabiliza sites pelo conteúdo postado por usuários. Se algum conteúdo for considerado ilegal, a punição poderá recair sobre os donos do site que hospeda o conteúdo – seja ele o Facebook ou o Megaupload. As penas incluem desde o bloqueio do site até a prisão dos responsáveis por até cinco anos.

As empresas de internet que são contra a lei (veja a lista completa dos apoiadores e dos opositores da S.O.P.A) enviaram em novembro passado uma carta ao Congresso americano mostrando a preocupação geral em relação à lei e as consequências que traria para a indústria e para a “cibersegurança nacional”.


http://blogs.estadao.com.br/link/google-e-facebook-preparam-blackout/

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Direitos autorais em reforma

Direitos autorais em reforma

E-Book Direitos autorais em reforma foi disponilizado livremente (sobre a Creative Commons) pelo Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O livro é um estudo sobre a necessidade de reforma do Direito Autoral no Brasil.

Itens Relacionados:

Proposta de alteração ao PLC 84/99 / PLC 89/03 (Crimes Digitais)
Branco Jr., Sérgio Vieira; Pereira de Souza, Carlos Affonso; Lemos, Ronaldo; Moncau, Luiz; Mizukami, Pedro Nicoletti; Magrani, Bruno (2009-07-01)

Comentários e sugestões sobre o Projeto de Lei de Crimes Eletrônicos (PL n. 84/99)
Pereira de Souza, Carlos Affonso; Bottino, Thiago; Lemos, Ronaldo; Moncau, Luiz Fernando; Paranaguá, Pedro; Branco Jr., Sérgio Vieira; Magrani, Bruno; Mizukami, Pedro Nicoletti (2009-06-16)

Exceptions and limitations to copyright in Brazil: a call to reform Mizukami, Pedro Nicoletti; Lemos, Ronaldo; Magrani, Bruno; Pereira de Souza, Carlos Affonso (Yale Information Society Project, 2008)

Estudo técnico-jurídico: Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) e implementação de sistema anticópia Branco Jr., Sérgio Vieira; Paranaguá, Pedro; Lemos, Ronaldo; Magrani, Bruno (2009-06-16)

Três dimensões do cinema: economia, direitos autorais e tecnologia Lemos, Ronaldo; Souza, Carlos Affonso Pereira de; Maciel, Marília (Editora FGV, 2010-08-09)

domingo, 27 de novembro de 2011

questões de literatura e propriedade

Em defesa da obra
As corporações da mídia querem que os escritores trabalhem de graça, não façam arte e exponham a vida privada na internet – e contam com o apoio de Paulo Coelho

por Bernardo Carvalho


A primeira coisa que me vem à cabeça quando falam das novas relações entre público e privado é a ideia de autoria. Provavelmente, por vício de escritor – e de escritor anacrônico. Há alguns anos, a revista The New Yorker publicou uma longa reportagem sobre a disputa entre os herdeiros de James Joyce e uma pesquisadora da Universidade Stanford, na Califórnia, pelos direitos de publicação da correspondência do escritor. O artigo pintava um quadro favorável à pesquisadora, apresentada como vítima dos herdeiros de Joyce, que proibiam o acesso à sua correspondência íntima. E a transformava em símbolo da necessidade de uma legislação mais democrática, condizente com as exigências estabelecidas pelo uso da internet. A reportagem estava em sintonia com os princípios do Creative Commons e de outras propostas alternativas ao tradicional, restritivo e cada vez mais insustentável copyright, o direito autoral.

O Creative Commons foi concebido como um desdobramento natural do mundo informatizado. Nele, cada vez mais se consolida o consenso em torno da visibilidade absoluta e do acesso irrestrito às informações e às obras, como valor democrático básico, em conformidade com o que prega o WikiLeaks na esfera da política. A utilidade do Facebook e do Twitter, como ferramentas para burlar a censura e organizar movimentos pró-democracia em ditaduras como Irã, China e, mais recentemente, nos países árabes do Mediterrâneo, é um forte argumento a favor desse consenso.

A reportagem deplorava que uma obra de interesse público (cartas que revelariam a vida privada do escritor) estivesse nas mãos de herdeiros estúpidos, que, por pudor ou ganância, dispunham de seus direitos hereditários contra o bom-senso, a livre-circulação da informação e, em consequência, o progresso da humanidade. O Creative Commons seria, então, uma forma de libertar as obras do controle dos autores e de defender o público. E também restringiria o direito despótico de herdeiros sobre obras com as quais eles não têm, necessariamente, algo a ver.

Não haveria nada errado nesse ajuste de contas, até porque o Creative Commons permite ao autor decidir o quanto deseja ceder dos seus direitos. Não há nada de errado em defender o bem comum e o progresso de todos contra as restrições impostas pela propriedade privada e o privilégio de poucos. Mas quem é que falou em propriedade privada? É aí que começam os problemas e contradições.



O Creative Commons – assim como o “licenciamento global”, que propõe ao internauta pagar uma taxa proporcional à quantidade de downloads que fizer – busca adaptar o direito autoral a uma situação de fato e irreversível. Essas iniciativas buscam alternativas a esse direito, condenado à morte pela nova economia da informação. Mas, a despeito das boas intenções, elas só se propõem a agir no lado mais frágil do direito de propriedade, aquele que diz respeito ao trabalho intelectual individual e, sobretudo, ao trabalho intelectual circunscrito às artes e à cultura. Por quê?

Porque é apenas o direito de propriedade intelectual individual que cria obstáculos à “nova” relação de propriedade. Nenhuma empresa abrirá mão de suas patentes científicas ou industriais em nome da visibilidade, do bem comum ou do direito à informação. A começar pelas próprias corporações de mídia eletrônica – elas estão interessadas, isto sim, na adoção de um modelo flexível de licenciamento e difusão de conteúdo.

O Google, por exemplo, não pretende tornar disponível a usuários e competidores o saber por trás de seus serviços – e não é por acaso que mantém sigilo desse saber, a ponto de nenhuma informação sobre a empresa aparecer no próprio Google, que em princípio deveria ter acesso a tudo. Ninguém, a começar pelos fundadores do Creative Commons, pensa em pôr em questão o direito de herança e de propriedade sobre bens materiais e corporativos.

A propriedade intelectual é um instrumento recente do capitalismo: o direito de autor só foi internacionalmente reconhecido e oficializado no final do século xix, a partir da Convenção de Berna. No capitalismo tardio informatizado, entretanto, ela se tornou um problema e uma contradição para as corporações cujo trunfo é a circulação de conteúdo intelectual, não sua produção. Para elas, é fundamental que o trabalho intelectual seja barato ou gratuito. E, para isso, é preciso que ele seja indiferenciado, que o seu valor seja medido unicamente de modo quantitativo, cumulativo – e não qualitativo ou subjetivo. É imprescindível que o valor seja determinado pela regra, e não pela exceção.

A exceção fica ainda mais desautorizada e desprestigiada – e parece ainda mais antidemocrática e elitista – quando já não há lugar para o direito autoral individualizado. Não é fortuito que associações de roteiristas de cinema tenham passado a reivindicar o reconhecimento de seus membros como autores literários – e a defender uma mudança na lei dos direitos autorais que a torne mais abrangente. Com isso, eles reiteram o princípio de indiferenciação que tanto interessa aos grandes conglomerados da internet. Roteiristas trabalham com normas e regras. Há regras para ser um bom roteirista, e elas atendem sobretudo ao modelo do cinema industrial. Não existe bom roteirista para filme experimental, por exemplo. O bom roteirista é o que domina a excelência de uma série de normas dramáticas e narrativas.

A exceção, nas artes, é imponderável e intransmissível. E está necessariamente ligada a um ideal de individualidade, de subjetividade e de autoria individual. A norma faz parte do domínio da indiferenciação, onde todos se equivalem, podem dançar com pequenas variações, mas conforme a mesma música,determinada por uma série de regras e diretrizes. Sem querer, ao reivindicar o mesmo reconhecimento dos autores literários, os roteiristas endossam a vocação do mercado, sob a égide da internet, e a tendência crescente de associar valores subjetivos e qualitativos de exceção ao autoritarismo. O único valor possível e democrático passa a ser o do direito à expressão e à opinião, em nome de uma igualdade sem hierarquias, capaz de tornar equivalente tudo o que se escreve, desde um blog, um roteiro de cinema, até um romance de Joyce.


Numa entrevista recente ao New York Times, apresentado como modelo de escritor para os novos tempos, por saber se servir da gratuidade da internet para vender ainda mais livros, Paulo Coelho declarou que Borges foi a sua maior influência. E o entrevistador não o contestou. Seja porque não tinha condições críticas para tanto, seja porque isso não interessava ao objetivo da entrevista. Banidos os critérios da subjetividade, já não há como distinguir entre um texto de Joyce e um Paulo Coelho ou um apócrifo, por mais incoerente que seja a impostura aos olhos de um leitor educado. A única medida de prestígio passa a ser o número de acessos ou de leitores. Até aí, trata-se de um velho princípio de mercado. A única diferença é que, ao suplantar todo e qualquer valor subjetivo, o mercado agora permite a Paulo Coelho dizer que é herdeiro de Borges sem causar espécie.

A consequência é simples: enquanto tudo for percebido como equivalente, não haverá necessidade de pagar (mais) pela diferença. E se o alcance da diferença é sempre restrito, seu valor, pela lógica do mercado, só pode ser insignificante. O valor da diferença é substituído pelo da quantidade. Hoje, temos acesso a tudo, mas sabemos cada vez menos distinguir uma coisa de outra. E é essa substituição, basicamente, que distingue a escola da internet. E a crítica da opinião. E o que faz da educação um paradoxo dentro dessa nova economia.

A escola é o lugar da transmissão e da regra, mas nela somos forçados a aprender o que não sabemos e mesmo o que não queremos, e só essa obrigação é capaz de alargar o nosso conhecimento. O aprendizado depende de esforço. Já na internet, procuramos o que já conhecemos, ou o que tem algo a ver com o que já conhecemos. O interesse das novas corporações é capitalizar esse prazer, não contradizê-lo. Em princípio infinita, a amplitude do campo de conhecimento na internet, pelo próprio modo da busca, passa a ser repetitiva e limitada, homogeneizante. A ausência de hierarquias culturais e subjetivas faz parte do próprio princípio de busca na internet. E é revelador que a grande invenção, imediatamente patenteada pelo Google, tenha sido um algoritmo que permitiu estabelecer uma nova regra de ordenação nos sites de busca, uma nova hierarquia, baseada no cruzamento dos sites e páginas individuais mais acessados, num sistema que se autorreproduz, associando prestígio e valor ao número de links e acessos.

Anselm Jappe, um jovem crítico marxista (é difícil pensar hoje numa definição mais anacrônica), mostrou num livro recente, Crédit à Mort, como certa esquerda, na sua luta contra o elitismo, quis “abolir as hierarquias onde elas podem ter um sentido”. Por exemplo, as hierarquias “da inteligência, do gosto, da sensibilidade, do talento”. Só a existência de uma escala de valores subjetivos pode negar e contestar “a hierarquia do poder e do dinheiro, que impera quando negamos toda hierarquia cultural”. O narcisismo é o contrário da diferenciação e da exceção. “Não ajudar alguém a desenvolver sua capacidade de diferenciação significa condená-lo a um infantilismo perpétuo”, escreve Jappe. “A virtualização do mundo é também um estímulo aos desejos infantis todo-poderosos.”

Não é à toa que essa crítica nos soe tão anacrônica. Ela insiste na diferença entre crítica e opinião. E no mundo da internet, a crítica é cada vez mais desvalorizada como autoritária e coercitiva, porque impõe valores, em parte subjetivos, que não são necessariamente os da maioria. A crítica contradiz o mundo do Eu, o mundo da opinião. Ela pressupõe uma hierarquia subjetiva, um sujeito de autoridade, que supostamente sabe mais que os outros, enquanto a opinião passa a representar a igualdade do que é comum e imediatamente acessível a todos. A opinião é o juízo ao alcance de todos, baseado no gosto e na experiência de cada um, sem hierarquias nem coerções. E, se há um consenso em torno da democracia em todas as esferas sociais, não haveria por que não pensar que a arte também deve ser democrática.
É sintomático, nesse sentido, que a avaliação da literatura, ao contestar a imposição arbitrária de um cânone, tenha passado da análise da dimensão subjetiva das obras para o interesse pela experiência (histórica e biográfica) objetivamente mensurável dos autores. Tampouco é casual que essa passagem se faça acompanhar por uma atenção crescente a obras de não ficção, ou baseadas em “histórias reais”. Contra a arbitrariedade subjetiva do cânone ocidental, o espírito democrático do multiculturalismo teve de privilegiar na obra a expressão de uma experiência mensurável e extraliterária (de classe, gênero, raça, origem etc.), reduzindo a produção de subjetividade à representação e expressão da experiência do autor.

Esse novo paradigma acaba gerando desdobramentos perversos, forjando imposturas, oportunismos e contradições nos quais o interesse final das corporações é defendido pelos próprios indivíduos, críticos e consumidores, sempre em nome da democracia e de um suposto bem-estar comum. A obra de arte é reduzida a um serviço à comunidade e à humanidade, conforme a imagem do trabalho voluntário das ONGs e da própria rede de informação. Se os serviços prestados pelo Google são gratuitos, com que direito a obra de arte ou literária exige ser remunerada? A comodidade dos serviços prestados pelo Google lhe garante um paradigma divino e incontestável, sobretudo entre os jovens que desconhecem – mas podem imaginar, como fantasma – os horrores de um mundo sem o Google.
Pode soar como piada, mas o mandamento oficial do Google é Don’t Be Evil (Não seja mau). Google e democracia passam a ser sinônimos. E assim, para o bem da humanidade, assumindo o papel de entidade suprema e legisladora, a empresa se sente no direito de digitalizar e oferecer gratuitamente tudo o que estiver publicado no mundo, sem a autorização dos autores, que, sem terem sido avisados de nada, devem tomar a iniciativa de se manifestar a tempo no caso de não concordar com a publicação gratuita de seus próprios livros. Cabe lembrar que o projeto só não foi levado a cabo por interferência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que entrou em cena para frear as ambições da empresa.

Faz sentido que, nesse mesmo mundo, a ideia do fim do artista, do término do gênio criador individual e da arte como provocação subjetiva e idiossincrática, em nome de uma criatividade generalizada e socializante, também seja promovida por uma parte influente da crítica, sob pretextos políticos e sociais. Se alegam que o artista individual, autor de uma obra de exceção, é um aspecto anacrônico e reacionário do romantismo, é porque de certo modo isso também serve a uma necessidade de sobrevivência da crítica, que precisa se sobrepor ao seu objeto de estudo, negando-lhe autonomia. É o que justifica a passagem do foco do artista para o curador, e o curador reivindicar o papel de coautor de exposições. Em certos casos, o curador pode até substituir os artistas, como na 28ª Bienal de São Paulo, que ficou conhecida como Bienal do Vazio. Entretanto, vai ficando claro que é menos o autor e mais a obra que precisa morrer. Por quê?

Reciclada para os tempos atuais, a ideia da morte do autor, que em Foucault e Barthes se inseria num contexto totalmente diverso, revela uma disputa entre a crítica e o seu objeto. Isso ocorre num momento em que a própria crítica torna-se prescindível pelo mesmo princípio de desautorização das exceções e das hierarquias, em nome de uma “opiniocracia”. A necessidade de estabelecer valores coletivos e generalizados, reduzindo a arte, é a palavra de ordem, aparentemente libertária, de festivais como o Burning Man, em Nevada, nos Estados Unidos. O Burning Man é regido por uma série de mandamentos retóricos, como “autoexpressão, esforço comum, participação, ‘desmercantilização’, doação, inclusão” e outros princípios morais e cívicos. E é especialmente emblemático que as obras criadas no festival acabem sendo queimadas num auto de fé, como manifestação ao mesmo tempo ambientalista (para não abandonar resíduos no deserto) e simbólica, contrária à mercantilização da arte.

Também o consumidor de cultura, cujo narcisismo é alimentado pelo Facebook e Twitter (que o incitam a se expor o tempo inteiro, exercendo não apenas seu direito de participar da vida pública, mas também mimetizar celebridades), pode terminar combatendo toda hierarquia e exceção. Ao se privilegiar as obras, se pressupõe que nem todos podem ser autores, e que nem todas as autorias são iguais. E nada mais natural, depois de tanto esforço de marketing a celebrar a figura do autor, que a obra tenha passado a ocupar um lugar secundário e insignificante.


A exemplo da lógica perversa da cultura da celebridade, que, ao se reproduzir indiscriminadamente cria sempre mais anonimato, a autoria também passou a ser vista como sinônimo de visibilidade, uma forma privilegiada de estar e aparecer no mundo, em detrimento das obras. E são as grandes corporações da internet que acabam colhendo os frutos dessa estratégia, são elas que nos proporcionam afinal o sonho de sermos célebres autores de nós mesmos. São elas que nos vendem a miragem de transformar cada detalhe da nossa vida privada em evento público. Por uma razão muito simples: o lucro dessas novas empresas depende unicamente do conhecimento dos desejos íntimos dos consumidores.

Num texto esclarecedor sobre a “Política da Literatura”, Jacques Rancière lembrou que “a constituição da vida privada, que é em si mesma suficientemente satisfatória para que as pessoas renunciem à vida pública”, coincidiu com a noção da arte feita para o indivíduo, pelo indivíduo, o autor. Rancière mostra como a ideia do autor como gênio criador individual, ideia contemporânea ao advento dos direitos autorais e do individualismo da revolução burguesa, acabou associada a uma concepção da arte que foi ultrapassada já por Flaubert e Mallarmé.

No entanto, num pequeno texto (“Autor morto ou artista vivo demais?”) publicado na Folha de S.Paulo ainda em 2003, Rancière explicou que, ao contrário do que se convencionou chamar de culto do autor, a noção de gênio é bem mais complexa e está originalmente ligada ao conceito da obra como expressão de uma força anônima. O gênio não é apenas a representação de uma individualidade – uma força anônima o atravessa e termina por se expressar.

A sentença de morte do autor, contudo, repetida há trinta anos por filósofos e críticos, nunca impediu nenhum artista de reivindicar seus direitos; deve, portanto, ser reavaliada à luz da informática. O que aconteceu desde então? Segundo Rancière, o que sobrou do autor no mundo contemporâneo é justamente a ideia de propriedade. Mas essa propriedade já não pode se referir à obra, seja porque já não se acredita em originalidade, seja porque a obra é resultado da combinação de elementos de outras obras preexistentes, como no caso dos djs, seja porque a obra se tornou conceito, como no caso das artes plásticas.


A ideia de obra mudou. O artista passou a ser proprietário da ideia, assim como o inventor detém a patente do seu invento. E é natural que, em reação a essa propriedade, que pode incorporar tudo o que está ao redor, o que já existe no mundo, venha se contrapor um direito de imagem (daquilo que é usado como elemento para compor a obra – como os sujeitos fotografados, no caso da fotografia). E a autoria acaba, assim, correndo o risco de ser confinada à negociação entre proprietários de ideias e proprietários de imagem.

Rancière mostra – e é aí que as coisas ficam mais interessantes, no que diz respeito à literatura – que a autobiografia vem resolver esse impasse, fazendo as duas propriedades coincidirem: “Hoje, o autor por excelência é supostamente aquele que explora o que já lhe pertence, a sua própria imagem.” A propriedade migrou da obra para a biografia, para a vida do artista. Só resta ser autor da sua vida privada e expressá-la como obra. O autor hoje é o que explora a sua própria imagem. Os blogs e páginas pessoais na internet são a expressão generalizada e vulgarizada desse fenômeno.

Se a obra foi reduzida à vida e à visibilidade do autor, é compreensível que já não possa haver herdeiros de um autor morto. Também é compreensível que a obra, já não sendo exceção, tampouco exista, uma vez que foi igualada à vida, ao que é comum a todos. Ao autor só resta tornar-se cada vez mais público. Não é um acidente que não exista autocrítica na internet, a não ser como disfarce de mais autopromoção. É essa a lógica que, encobrindo os interesses corporativos, justifica o fim dos direitos autorais individuais, segundo valores subjetivos da obra, em nome de uma medida baseada em critérios quantitativos de mercado. Como tudo o que existe agora também deve existir na internet, o que não é acessado simplesmente inexiste. É o destino da exceção.

O mais terrível é que, expondo a vida privada como obra pública, e cuja eventual remuneração só pode ser feita com base em dados de acesso e seguidores que se identificam com essa vida e com essa opinião, ao autor cabe negociar o que seriam seus direitos intelectuais segundo a lógica de uma empresa de mídia. É assim que o chamado “valor social” (a capacidade que os indivíduos têm de influenciar uns aos outros através de suas opiniões em blogs, Twitters e páginas pessoais em sites de relacionamento) começa a despertar interesse no mercado virtual. Porque, a partir do momento em que a obra é reduzida à expressão da vida privada e ao marketing do autor, ela também passa a ser veículo potencial de publicidade e encontra no chamado merchandising uma remuneração possível.

Mais de 95% do lucro do Google vem da publicidade. Toda a estratégia da empresa depende do conhecimento, do acesso e da comercialização dos desejos, dos gostos e dos interesses dos usuários. Toda a economia da informação gratuita precisa que a vida privada seja exposta como pública, formando um mapa mundial dos desejos e do gosto, para que haja lucro.

Mais do que o autor, era a obra que precisava morrer como exceção, como produção de subjetividade, exercício de imaginação e transgressão, para renascer como veículo e instrumento de mercantilização da opinião e do gosto, para que todos nós nos tornássemos autores de nós mesmos, e o privado pudesse afinal não apenas ser lido, mas vendido como público. Se a exceção passa a ser sinônimo de injustiça e antidemocracia, a transgressão é reduzida a crime. Mas podemos ficar sossegados, porque onde tudo é público não há lugar para transgressão.

Revista Piauí, nº 62

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Propriedade Intelectual - Direito Autoral

A Folha de São Paulo, 24/11/2011 - Caderno Ilustrada

Copiar e colar

Artista e escritor que fundou o site UbuWeb cria o manifesto da escrita não criativa e garante que a literatura do futuro será feita a partir de novas versões e cópias do que já estava escrito

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Kenneth Goldsmith acha que está fazendo arte quando senta e reescreve palavra por palavra a edição do dia do "The New York Times".

Também anda fascinado com a advogada californiana que publica num blog sentenças de condenações por estupro como se fossem poesia, sem alterar uma única linha.

"Ficou claro que a escrita do futuro tem mais a ver com mudar as coisas de lugar do que com criar novos conteúdos", afirma ele. "Samplear [utilizar trechos de obras já prontas] alguma coisas vale mais do que essa coisa em si."

Goldsmith, artista e escritor americano que fundou o site UbuWeb, acredita tanto nisso que escreveu um livro-manifesto. "Uncreative Writing", ou escrita não criativa, ensina como ser um autor em plena cultura do remix.

"Essas ideias não são novas, mas não tinham chegado à literatura", opina. "É um debate ainda muito rudimentar se pensarmos que nas artes visuais a questão de plágio e deslocamento começou com o urinol de Marcel Duchamp, lá atrás, em 1913."

Das artes plásticas à música, em tempos de difusão ultraveloz na internet, o mundo vem redefinindo a ideia de cópia e plágio, dando muitas vezes peso de original a novas versões do que já existia.

Na literatura, a febre do remix causa as distorções que viraram objeto de estudo de Goldsmith, ele mesmo gastando horas do dia em exercícios tediosos como copiar artigos de jornal para ver onde surgem erros espontâneos, frutos de sua desatenção.

"Tudo o que escrevo é horrível, impossível de ler", reconhece. "Mas não estou interessado em leitura, é só um estopim para discussões."

Ao observar falhas de linguagem, Goldsmith concluiu que a raiz disso já estava na poesia concreta dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, na literatura transtornada dos beatniks e na justaposição de tudo, possível só na era da internet.

No ubu.com, por exemplo, é possível ver vídeos dos Beatles e peças de Samuel Beckett. "É um espaço utópico, em que tudo conversa", diz. "Reenquadro o que existe para criar algo novo, um colapso dos gêneros artísticos."

Seu próximo passo é reescrever o clássico ensaio do alemão Walter Benjamin sobre as galerias comerciais da Paris do século 19, só que transpondo a ação para as ruas de Nova York no século 20.

Nessa versão, personagens trocam de pele -Baudelaire, por exemplo, vira o polêmico Robert Mapplethorpe.

UNCREATIVE WRITING
AUTOR Kenneth Goldsmith
EDITORA Columbia University

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Conceito atual de plágio divide especialistas

Para o professor de teoria literária Alcir Pécora, achar que 'copia e cola' refresca métodos de criação é inocente

DJ e produtor conhecido por 'samplings' diz dar crédito a autores, que 'agradecem por divulgação'

CAROL NOGUEIRA
DE SÃO PAULO

O que o ator e diretor Sylvester Stallone, os músicos Rihanna, Beyoncé, Lady Gaga, Coldplay e Lil Wayne, a TV Globo e o estúdio que produziu o filme "Kung Fu Panda" têm em comum?

Todos eles são autores de obras acusadas de plágio. E isso somente no ano de 2011.

Seria o fim da originalidade? Ou será que o processo criativo contemporâneo consiste justamente em citar obras já produzidas, como defende Kenneth Goldsmith no livro "Uncreative Writing"?

Alcir Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, é partidário da primeira ideia.

"Vejo que há um esgotamento da produção literária atual. Os grandes modelos de prosa dos romances estão muito esgotados", avalia.

Para ele, o aumento na quantidade de obras que pegam "emprestado" trechos de outras é uma das marcas do século 21. "Nada parece muito fecundo hoje em dia, como era no século 18 ou 19."

"Hoje em dia, tudo é 'ready-made' [conceito criado por Duchamp no século 20 pelo qual objetos cotidianos são transformados em arte]", afirma Pécora. "Ninguém mais parece uma fonte positiva."

O advogado Caio Mariano, especialista em direito autoral, enxerga uma mudança de comportamento na cadeia de produção da nova geração de autores. "Muitos artistas acabam infringindo direitos autorais, achando que podem 'samplear', por exemplo, sem pedir autorização dos titulares. Mas a lei é clara. Citações devem ser nominais", diz.

Um dos principais nomes brasileiros para a cultura do "sampling" e dos "mashups", o DJ e produtor João Brasil discorda de Mariano.

"Nunca tive problema com isso, pois sempre dou crédito ao artista original e nunca vendi os mashups. Vários artistas já me agradeceram pela divulgação", conta o DJ.

A posição de João Brasil está correta, de acordo com o advogado Thiago Mendes Ladeira, também especialista em direito autoral.

Ele afirma que é importante que os artistas defendam sua propriedade intelectual.

"Se as obras não fossem protegidas pela lei de direitos autorais, qual seria o incentivo do autor para criar? E como ele lucraria com isso?", questiona Ladeira.

O advogado atribui o aumento de casos de plágio à internet. "É como o aluno que usa o computador para copiar um trabalho de escola", diz.

Embora a lei nº 9.610/98, que passa atualmente por projeto de atualização, não mencione a internet, Mariano não enxerga isso como um problema. "As regras do mundo off-line são as mesmas que aquelas do mundo on-line", afirma.

"Que há uma crise na produção cultural atual, não há dúvida. Mas achar que esse 'copia e cola' pode funcionar como base para um novo método de criação é muito inocente", opina Pécora.

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Apropriação feita por Beyoncé é "café pequeno"

ALASTAIR MACAULAY
DO “NEW YORK TIMES”

Será que você tem certeza de quem coreografou todas as versões do "Quebra-Nozes"?

No ano passado, observei que mais de 12 produções americanas incluíam o "pas de deux" da Dança da Fada Açucarada que Lev Ivanov coreografou para a versão original. Mas apenas uma delas deu crédito a Ivanov.

Devemos qualificar isso de plágio? Pergunto porque, em outubro, a coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker observou que Beyoncé e sua diretora, Adria Petty, se apropriaram de sequências de dois trabalhos, "Rosas Danst Rosas" e "Achterland", no videoclipe de "Countdown".

Graças aos closes, as apropriações são inconfundíveis.

Petty disse, aludindo a De Keersmaeker: "O trabalho dela me deixou maravilhada". Ela acrescentou que lamentava o fato de o crédito não ter sido dado, porque o vídeo teria sido editado às pressas.

Petty falou: "Minha esperança era que isso colocasse o trabalho dela (De Keersmaeker) diante de muitas pessoas que, de outro modo, não o teriam conhecido".

A primeira reação de De Keersmaeker foi dizer "isso é plágio, é roubo". Mais tarde, ela admitiu: "Fico feliz que talvez possa chegar a um público de massas, que performances de dança como essas nunca conseguiriam".

Sinto admitir que não consigo me comover com o assunto: os movimentos simples coreografados por De Keersmaeker não possuem nenhuma originalidade especial.

Mas o fato é que a coreografia de De Keersmaeker segue a tradição de muitos coreógrafos pós-modernos, na medida em que não se preocupa em criar movimentos originais, mas recontextualizar movimentos já comuns.

Não nos equivocamos quando consideramos George Balanchine um dos mais originais dos coreógrafos, mas também podemos entender porque ele gostava de enfatizar o outro lado: a montagem, e não a invenção, é a tarefa básica do coreógrafo.

Comparada com os trechos de Ivanov não reconhecidos em muitas produções americanas de "Quebra-Nozes", a questão de Beyoncé e De Keersmaeker é café pequeno.

Vários dos pas de deux da Dança da Fada também incluíam sequências da versão de 1954 de Balanchine.

Hoje ela é vendida como "O 'Quebra-Nozes' de George Balanchine", mas pelo menos duas partes importantes não são dele, que não fez segredo do fato de ter se apropriado de cenas da versão que dançava na juventude, na Rússia.

Mas os agradecimentos tendem a passar por cima desse fato. Pelo menos dois outros balés listados como sendo de Balanchine incluem danças criadas por Marius Petipa.

Essas apropriações, muito maiores do que as cometidas por Beyoncé, acontecem com frequência no balé.

Um coreógrafo famoso que de fato gritou "ladrão!" foi Jules Perrot. Em 1861 ele levou Petiba ao tribunal, acusando-o de "infração de copyright em coreografia".

O tribunal decidiu em favor de Perrot, concordando que a composição de uma dança "podia não obstante constituir uma composição para a qual um copyright podia existir".

Se os advogados de De Keersmaeker tivessem tentado levar Beyoncé ao tribunal, teriam argumentos muito mais fracos. A dança Perrot-Petipa era ininterrupta com música idêntica; já os trechinhos muito curtos apropriados por Beyoncé foram dançados ao som da música dela.

Na realidade, a reputação de De Keersmaeker só foi beneficiada. E a de Beyoncé, será que saiu arranhada? Nada disso. Podemos chamá-la de "apropriadora", mas nem por isso teremos menos vontade de assistir a ela.

Haveria munição legal melhor em todas aquelas produções do "Quebra-Nozes". Mas as razões pelas quais poucas pessoas perdem tempo gritando "plágio, plágio" são evidentes. Essas obras contêm muitas apropriações, mas contêm sinais maiores de montagem.

Tradução de CLARA ALLAIN

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Lei Hadopi

França aprova lei que prevê corte da conexão de quem baixa conteúdo online
Fonte: IDG News.
Data: 22/09/2009.
Autor: Peter Sayer.

Após resistências no governo, lei Hadopi passa por Assembleia e pelo Senado e deve virar lei após aprovação do presidente Nicolas Sarkozy.

A Assembleia Nacional da França aprovou nesta terça-feira (22/9), por 258 votos a favor e 131 votos contrários, a lei que criminaliza o compartilhamento de arquivos e corta o acesso à internet, aplica multas e até prende aqueles que forem pegos baixando conteúdo protegido por direitos autorais.O Senado havia aprovado o mesmo texto na segunda-feira (21/9).

Com o acordo de ambas as casas, o texto agora vai para a assinatura do presidente Nicolas Sarkozy, ainda que haja a possibilidade de outra apelação pelo Conselho Constitucional atrasar o processo.

A lei Hadopi ganhou este apelido por representar a abreviação do nome do novo órgão (High Authority for the Distribution of Works and the Protection of Rights on the Internet) criado para fiscalizar a aplicação da lei.

Ao detectar a violação da lei, o órgão manda o primeiro aviso por e-mail. Em caso de reincidência, o segundo comunicado é enviado por correio. Caso o acusado baixe conteúdos ilegalmente por uma terceira vez, a lei prevê a aplicação de penas, como multa, prisão e o corte do acesso online.

A lei também prevê que uma corte decida pela imposição das penas, ao mesmo tempo em que também permite que a decisão final seja tomada por apenas um juiz, sem o confronto de versões por testemunhas.O primeiro esboço da lei foi aprovado no Parlamento da França em abril, mas o Conselho Constitucional classificou a medida como inconstitucional. O governo imediatamente mudou o texto do projeto, ganhando a aprovação do conselho.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Propriedade intelectual e o blog




Conteúdo de blog desafia proteção autoral

Priscyla Costa - Revista Consultor Jurídico - 21/04/08



Qualquer conteúdo intelectual, em tese, pertence a seu autor. Entretanto, segundo a legislação autoral, o conteúdo ou a obra podem ser cedidos, total ou parcialmente. E é nessa hora que autor e interessado entram em choque. A relação é conflitante porque a legislação é complexa e a disputa só acaba depois que as partes pedem socorro à Justiça.

Foi assim quando o iG demitiu o jornalista Paulo Henrique Amorim, no mês de março e bloqueou seu acesso aos arquivos do blog Conversa Afiada que estavam nos computadores do portal. Paulo Henrique Amorim entrou com uma ação de busca e apreensão e conseguiu liminar para ter acesso aos computadores e copiar seu conteúdo.

A situação criada no caso do Conversa Afiada é paradigmática. O que chama a atenção é que os problemas com direito autoral saíram dos impressos e foram transferidos para a internet. Para o advogado Omar Kaminski, especialista em Direito Informático, o problema não está na falta de legislação. “A lei de 1998 é plenamente aplicável aos blogs. O que existe é uma displicência quanto aos direitos autorais na Internet como um todo — daí aquela noção equivocada de ‘domínio público’ ou ‘terra sem lei’”, diz.

Para Kaminski, o que muda substancialmente é que “à época da lei não existia a Internet comercial, então a ocorrência de violações autorais hoje em dia, na Internet, é bem mais comum, mas não mais banal”.

A explicação é que o autor é soberano em relação às suas obras, desde que não as tenha cedido por contrato a terceiros. A cessão é só dos direitos patrimoniais — os que têm valor econômico. Os direitos morais não podem ser cedidos. Isso garante que o autor reivindique a qualquer tempo a autoria da obra. Garante também o direito de ter seu nome ou pseudônimo indicado ou anunciado como sendo o do autor ou o de retirar de circulação a obra ou ainda o de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, entre outras situações.

O que vai ser cedido em parte, ou totalmente, precisa estar previsto em contrato, para evitar problemas judiciais. O advogado Nehemias Gueiros, especialista em propriedade intelectual, explica que se não houver contrato entre empresa e o autor, o conteúdo pertence integralmente ao autor. É por isso que grandes empresas de comunicação (editoras, emissoras de TV, sites) firmam termos para a cessão de direitos de utilização das obras que seus contratados produzem. O contrato tem de especificar as modalidades de utilização para as quais os direitos foram cedidos. As modalidades que não constarem no documento, não foram cedidas e continuam pertencendo ao autor.

“Se o contrato contiver cláusula que ceda os direitos, também é preciso ver a natureza da cessão. Se for universal, ela é integral, o autor cede a totalidade dos seus direitos patrimoniais, devendo a empresa apenas dar o crédito de autoria. Mas não precisa mais pagar ao autor além do primeiro pagamento pactuado. Se a cessão for parcial, ela pode ter prazo no tempo e estabelecer uma remuneração regular ao autor”, explica Gueiros.

Sônia Maria D´Elboux, também especialista em Direito Autoral, afirma que em termos de direitos autorais, o que vale é o que foi contratado entre as partes. Se o autor da obra (exemplo: uma foto jornalística) ceder total e definitivamentemente seus direitos autorais de natureza patrimonial, nem mesmo ele (autor da foto) poderá utilizar sua obra, salvo se autorizado pelo jornal.

No caso de contratos de trabalho de profissionais criativos (como os jornalistas, fotógrafos, escritores, desenhistas.), normalmente há uma cláusula no contrato de trabalho que prevê que os direitos patrimoniais sobre as obras criadas em decorrência da função desempenhada pelo empregado pertencem ao empregador e já está embutido no seu salário a remuneração pela cessão dos direitos autorais.

“Tudo vai depender do que foi contratado. Há vários blogs de jornalistas que são feitos no contexto do contrato de trabalho com o órgão de imprensa e o conteúdo é cedido total e definitivamente pelo jornalista ao empregador”, diz.

No caso do Conversa Afiada, o diretor presidente do IG, Caio Túlio Costa, explicou, em nota à Imprensa, que a decisão do autor do blog em recorrer à Justiça era desnecessária. Segundo ele, o portal facultou ao jornalista e à sua equipe copiar e levar embora todos seus pertences antes de deixar a empresa. O uso futuro do material produzido por Amorim enquanto esteve no IG é incerto e depende dos termos do contrato que regeu a convivência das partes enquanto ela durou.